sábado, setembro 26

Muita parra e muita uva

5 horas na vida de um "vindimadeiro", é aquilo que eu vos vou contar. Imaginem chegar cedo (não suficientemente cedo, segundo os verdadeiros "vindimadeiros") ao local propriamente dito, e ver uma larga extensão coberta de videiras. Que é como quem diz, uma larga extensão coberta de carradas de resmas de trabalho.

E, atenção, não é um trabalho qualquer!

É difícil, pois temos que procurar as uvas no meio de tanta parra (só hoje é que percebi o que é a parra). Eu ainda sugeri arranjar um UVS - Uva Positioning System, mas, não sei porquê, foi uma ideia que não foi a lado nenhum.

É extremamente competitivo, pois quando temos duas pessoas a vindimar perto uma da outra, torna-se quase um combate para ver quem é que fica com o balde mais perto, ou quem chega primeiro às uvas, ou quem enche primeiro o balde. É assustador.

É cansativo. Aliás, fez-me perceber que eu sou definitivamente um "menino da cidade", e que nunca na vida daria para agricultor. Quer dizer, meia hora naquilo, e já chamava pelos comunistas para virem defender o proletariado!

Dá mesmo muito trabalho. O trabalho que dá não compensa, prefiro manter-me na coca-cola, que dá muito menos trabalho. Metessem todos os bêbados deste país a vindimar, e logo viam se queriam continuar bêbados, depois de verem o trabalho que aquilo dá. Ou isso, ou desenvolviam um novo tipo de bebedeira, em que, impacientes, dispensavam os intermediários, e iam buscar o vinho directamente da fonte.

Ah, e já falei na parte do acartamento de baldes? É giro. É sim senhor. Quando estamos a ver os outros a fazê-lo. Já quando nos toca a nós... é outra história.

Só me falta mesmo falar do silêncio. Havia alturas em que até me arrepiava todo. Aquilo é que se chamava um silêncio ensurdecedor. Não havia carros, nem pessoas, nada. Parecia "As Tardes da Júlia", sem a Júlia. Silêncio.

E pronto, foi cansativo, trabalhei mais do que habitualmente num mês inteiro, fiquei com as mãos feridas, arranhei uma perna, emporcalhei-me todo, mas, lá no fundo, teve a sua piada. Lá bem no fundo, profundamente enterrada debaixo do cansaço, dentro de um caixão de sujidade, mas teve-a.

2 comentários:

IA disse...

Caro novel "vindimadeiro": apreciei o relato comentado, com bonomia e ironia, q.b. A vida do campo é assim: cheia de amor e humor, calor e suor. Como dizem na missa, o vinho é o fruto da videira e do trabalho do Homem... Já agora, caro vindimador, permita-me uma sugestão - o sistema de localização das uvas de que fala, deveria chamar-se, não UVS - Uva Positioning System, como sugere, mas sim GPS -Grape Positioning System - (just in case...). Permita-me ainda sugerir-lhe que na próxima safra, reivindique o cumprimento dos seus direitos de trabalhador temporário - pausa a meio da jornada, acesso a instalações sanitárias, duche no final da jornada, água e comida (de qualidade, claro!). Por agora, é tudo o que tenho a dizer-lhe, caro "vindimadeiro" (e bib'ó'binho!!)

Rui Bastos disse...

Uva Positioning System tem mais piada! E pro ano, lá estarei!